quarta-feira, 1 de abril de 2020

Saudade

Olho pela janela.

Lá fora chove, mas era igual se o Sol brilhasse.

Só olho pela janela. E sinto Saudade!
E sinto tanta Saudade que até já a conjugo em todos os tempos e modos verbais existentes. 
Saudade quando durmo, saudade quando acordo. Saudade quando grito, quando choro, quando caio no silêncio e quando sorrio, como se fosse a pessoa mais feliz do mundo.
E dói-me o coração! Dói tanto e é tão bom! Porque nunca a dor do peito foi tão feliz. E é feliz porque é cheia de mim, de ti, deles, de nós.

No silêncio de uma casa vazia ouço música em mim, canto sem voz e viajo até onde sonhei, sem sair da janela.
E choro!, se choro. Sem lágrimas, choro tão feliz!, de tudo o que já vi(vi); choro tão feliz de uma Saudade incontrolável de memórias felizes e pensamentos amorosos.

Olho pela janela.

Lá fora chove, chove muito; O dia está cinzento, ventoso, feio... Mas tão feliz! Porque a chuva chora Saudade, e o vento canta memórias e o cinzento sente-se só, mas feliz, por não ter ninguém.

Estou com o tempo.
Saudade; memória; feia.

Estou com o tempo - sem jeito, mas feliz! 
E sonho. Sonho sempre, de olhos abertos e de olhos fechados. Sonho com tudo o que ainda não aconteceu, mas que, de alguma maneira, já aconteceu tantas outras vezes! 

E até poder saltar pela janela, continuarei a sonhar, com as memórias que ainda não tenho, com a felicidade que choro, com o amor que vivo, com a música que ainda não ouvi - e que, ainda assim, já sei de cor.

E, quando saltar, vou matar as saudades, só para depois senti-las ainda mais em mim. Só para depois, ter ainda mais saudades de ti!

terça-feira, 11 de junho de 2019

Strada

Estradas infinitas. Vidas eternas. E tudo o que poderia não começar, teima em não acabar. 
Encontro-me na plenitude numa planície cujas características não nos deixam enganar. 
Seguro forte numa mão que conheço, ainda antes de me conhecer. 
Olho nos olhos de alguém que sempre existiu, ainda antes de existir.
E sorrio na loucura d'um sorriso que jamais sorriu. É enlouqueço numa loucura premeditada e num cigarro mal aceso.
Invade-me uma inspiração, no meio do nada, sem papel e sem caneta. Mas ela perdura. E perdura até encontrar uma saída.
E eu choro-a sem lágrimas; e eu rio-a sem gargalhada; e eu grito-a sem voz; e eu beijo-a sem lhe tocar;... E a estrada não acaba.
Para minha felicidade não encontro o fim da estrada, da planície, do gado, das oliveiras, dos sobreiros. Não encontro o fim de nada, nem o procuro sequer! - aliás, temo-o.
Porque haveria eu, afinal, de procurar o fim do caminho mais belo que encontrei?
Entre curvas vagarosa e retas aceleradas, nada mais me conforta que esta estrada velhinha, repleta de altos e baixos provocados pelas raízes de uma vida inteira. 
Ah!, que encontrei minha estrada eterna, minha vida infinita. 
Ah!, que já me morri e já me vivi em tantos sorrisos amorosos, olhares apaixonados, fôlegos arritmados e choros disparatados. 
Que vida eterna busco aqui! (que vida eterna busco em ti). 
E, se um dia, por ventura, encontrar o fim da estrada, lá pararei, eternamente, admirando a paisagem, segurando a mão, olhando nos olhos, sorrindo disparatadamente. E beijando-te - até que a estrada continue. 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Amorevole

Jurei um dia ter amado. Cantei e escrevi todo o amor que jurei sentir. Que tola fui!, ao achar que sabia o que era amor. Sei agora - e oh!, que encontrei o amor da minha vida.
Ridícula sou nesta afirmação disparatada dita de coração acelerado e sentimento a transbordar os olhos. 
Ah!, que aperto no peito, que ansiedade, que falta de ar! 
Mas repito-o, baixinho, para ninguém me ouvir: em ti encontrei amor. Em ti e nessa alma tão velhinha pela qual a minha desesperou. Os gritos em mim foram abafados, o desejo de abandono não existe mais e o coração partido... Oh, que não está já.
Esta plenitude da alma enlouquece-me, no entanto. Meu abandonos tornaram-se em meus medos e meus desejos prazerosos não passam agora de inseguranças descabidas..
Ah, que desgraça! Eu que prometi que não serias desgraça em mim, sou agora desgraçada em ti.

Saberei eu sequer amar?

Talvez não. Mas que me sinto presa na alma mais livre, acorrentada ao sentimento mais bonito e com medo do corpo mais seguro.
Oh, mas e se me perder? Que farei eu se me perder de ti?, eu, que já me perdi em ti.
Hoje afirmo, sem medo, que te amo. E afirmo, a medo, que não havia amado ainda.
Ah, que se fores o amor da minha vida, não partas nunca - minh'alma não resistiria.
Ah, e que se fores o amor d'uma vida toda, não abandones nunca - minh'alma morreria.
E, meu amor, se te fores, leva-me contigo - nem que me tenhas que matar em ti.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Attimi

Uma chávena de café para a ansiedade da alma. Um cigarro mal enrolado para a ansiedade do corpo. E tu, para a ansiedade da vida.
Na dúvida, sonho-te. Sem saber se a dormir ou acordada, sonhei-te. Oh, e faz tempo que não sonhava.
Na incerteza do ser, sou-te e na interrogação da vida, respondo-me em ti. Não temo já a desgraça e o amor, a felicidade e o desamor. 
Acordo-me no sorriso de uma noite mal dormida e adormeço na insónia amorosa da alma. 
Não te quero - como te poderia querer?
Não te amo - como poderia amar?
Sinto-te, mas só nas horas vagas.
Vivo o que já vivi e amo o que sempre amei. Ainda assim, desconcertas-me o ser.
Nos pequenos silêncios da alma prometo não ser desgraça em ti. E nesses mesmos silêncios, penso da ridicularidade de minhas promessas.
Nos momentos em que te olhos sem me olhares confesso tudo aquilo que não confesso nunca. E nesses mesmos momentos penso na ridicularidade de minhas confissões.
Ah, que ridículo é por jurar e chorar, agarrar sem tocar. Que ridículo é por não te deixar teres a mínima noção do que sou e do que és (em mim).
A verdade é que não és nada, nunca foste. Não és nada, não sou nada, não somos nada. E quanto desejava ser tudo, ter-te todo, sermos tudo e todos... ah, que em mim já és mais do que minh'alma alguma vez sonhou.
No outro dia beijei-te a alma sem sequer te tocar. Nesse dia, perdi-me. Mas que me perderia mil vezes!, que me perderia em ti todas as vezes. Oh, mas não posso!, que me prometi não ser desgraça e que não quero nunca que o sejas em mim.
A razão e o peito deixam-me louca e a alma, esperta, já abandonou. Perco a alma para ti, o peito em ti e a razão em mim. Oh, que me perco em mim, em minha loucura e em meus sofrimentos disparatados.
No medo, refugio-me num olhar sincero. Na dúvida, encontro-me num meio sorriso tonto. No caos e na tempestade de mim, abraço-me ao que não está - mas que minh'alma se abraça a ti.
Talvez um dia sejas mundo, talvez um dia sejas universo. Oh, e que sejas infinito até... mas que eu seja sempre maior que tu!

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Disonore

És pertença em mim. E é esse sentimento tão bonito que me faz querer-te - não de uma maneira amorosa e tã' pouco de maneira carnal. Apenas que quero, mas não te quero o corpo, a alma ou o peito.
Encontro em ti o maior prazer de uma conversa casual, de um riso disparatadamente alto. Em ti, encontro vida, então, para quê matar-me em ti? (ou matar-te em mim...)
A felicidade extrema de ser livre de desejos preenche-me a alma. E que saudades tinha eu de me sentir tão cheia sem me afogar em sentimento!
A calma do olhar, a espontaneidade de ti. O tudo que, no fundo é nada, deixa-me numa felicidade irritantemente feliz. Ah, mas que enquanto (me) vivo como nunca, oprimo em mim uma premonição desgraçada! Será possível viver o apaixonável sem paixão? E se não for, passará o apaixonável a amável?
Oh, que horror! - seres paixão, amor e desgraça! Não quero, não posso, não ouso. Recuso-me a deixar minha alma voar e amar e perder. Recuso sentir em mim o sentimento mais bonito que acaba sempre em tortura.
Fujo do destino e fujo de mim, na tentativa de fugir a qualquer coisa que possa aparecer.
Jamais te amarei, sentirei, cantarei ou escreverei. E se, por ventura, te amar, sentir, cantar ou escrever, jamais o saberás. Porque pior que um sentimento reprimido, só a sua aceitação e demonstração.
Ah!, mas que me perco nas contradições da alma e da razão. Ah, que me minto sem mentir e sou sincera em todas as mentiras.
Atravessa em meu peito a possibilidade de seres tu. E, se fores tu, como saberei eu manter-te? Talvez, se fores tu, nunca serás desgraça em mim - mas e se eu for desgraça em ti? A ínfima possibilidade de tal acontecer deixa-me de pernas bambas e suores frios. Jamais quererei ser a tempestade (des)amorosa de ti!
No entanto, a possibilidade de o destino não nos deixar fugir e correr e esconder assusta-me o peito. Mas que sei eu dessas coisas do coração (ou da alma)? Eu que abandono sem remorso e não sinto nunca.
Oh, mas que já senti!, e senti tanto que não sinto mais - à exceção de ti. Ah, que sinto em ti e sinto tanto que nem sei o que sinto.
Então, que se dane tudo o que disse, tudo o que escrevi, tudo o que cantei. Que se dane a (não) existência de um destino. Deixemo-nos à deriva da vida e nossas almas, tão velhinhas, saberão o que fazer.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Déjà vu

O destino fez-me poeta e o destino quer-te poesia. Talvez torta, mal construída, cheia de rimas imperfeitas e gralhas tão semelhantes a mim. Talvez o acaso nos queira um poema. Quem sabe se bonito e sujo, se feio e limpo.
As estrelas fizeram de mim poesia e as estrelas querem-te diseur*. Ou talvez seja eu que tudo isto desejo e escondo o desejo em acasos que finjo crer destinados. Escondo-me atrás de palavras não ditas, sentimentos não sentidos e repetições sem coerência.
Na possibilidade de rejeitar a possibilidade do destino, creio-te ilusão em mim. Vejo em ti a apaixonante desgraça que um dia amei - a única e eterna desgraça amorosa em mim...! Refugio-me na crença de que só te quero por teres em teu ser o caos perfeito que minh'alma nunca esqueceu. Refugio-me na crença de que só te sorrio por teres em tua alma o sorriso que minh'alma eternamente recordará. E refugio-me, por fim, no brilho de teus olhos, tão igual àquele que um dia me iluminou a alma.
Ah!, seja destino, acaso ou ilusão, serás desgraça em mim, mesmo que nunca (me) sejas.
E, ah!, que sejas desgraça e caos e tempestade e vento e fogo e chuva e sofrimento - és bênção para meu ser. 
Talvez, e só talvez, se fores desgraça e caos e tempestade e vento e fogo e chuva e sofrimento, serás também inspiração. E que mais poderei eu pedir a alma alguma além de uma inspiração divina?
Temo apenas que sejas a alma que um dia me roubou ou que sejas a alma que minha alma sempre procurou (tão velhinha quanto ela!).
Quem sabe um dia nos encontremos num lapso de tempo inexistente, no final de um copo, num olhar acidental ou num sorriso discreto. E quem sabe um dia nos percamos num lapso de tempo inexistente, no final de um copo, num olhar acidental ou num sorriso descarado. 
Oh, que nada temo! - a não ser um desencontro permanente nos encontros do acaso...
...Ou do destino.

*declamador/recitador

terça-feira, 24 de julho de 2018

Piango

Nos medos irracionais dou de caras com o sentimento. Na insegurança de (não) ser, encontro-me perdida de novo.
A teimosia de minh'alma faz-me sofrer sem necessidade. A persistência do peito faz-me chorar a vida sem razão.
Porque não sei eu resumir-me à quietude? Poderia eu estar em paz, em meu canto solitário que tão feliz me faz. Mas não!, o ser que me habita nunca se satisfaz. Procura sempre mais; procura amor, procura dor, procura paz e desgraça, procura conforto no desconforto e felicidade num alguém alheio.
Porquê?
Pergunto ao meu eu o porquê de querer o tudo que leva ao nada e ele pergunta-me tanta coisa para a qual não tenho resposta, que me atormenta. 
Perco o sono, perco a razão, perco o tino e o sentido e substituo toda a racionalidade por palavras feias no papel, nós na garganta e vontades incontroláveis de (me) abandonar.
Não tenho mais força para a alma. Não tenho mais corpo para ela. Não tenho mais ar para seus devaneios.
Queria livrar-me de preocupações com o terceiro, da raiva de mim e dele, do medo de nós e do pânico de um nós não existente. 
Nos momentos imperfeitos passados acompanhados, tudo parece perfeito. Depois, volto a mim.
Volto a chorar amores que não existem, a chorar a alma, a chorar o peito.
Choro-me a mim para não chorar ninguém.